Perdâo Sensual
Fabrício Carpinejar
Matava o tempo antes de pegar a estrada, com um copo de café gemendo em minha boca.
No canto da cafeteria, uma moça escrevia no seu computador. Buscava um pensamento fora e se vidrava novamente na tela, obcecada a encontrar a frase melódica antes de mim.
Quando ela foi se espreguiçar, eu vi. Vi o luzeiro de sua pele por uma fechadura minúscula.
Sua camiseta básica estava rasgada debaixo dos braços. Um pequeno furo. Tolo e miserável corte.
Pela pilha de casacos e blusões na cadeira ao lado, ela nem deveria ter notado. O inverno tem a mania de sonegar a penúria do pano. Somos um excesso de andares de golas de manhãzinha e um térreo na hora do almoço. Na rua, as pessoas carregam seus sobretudos como engradados de cervejas.
Ela não me viu. Mas eu insisti em olhar. Queria que ela se espreguiçasse de novo.
Quem sabe era o primeiro rasgo de seu dia. Um rasgo involuntário. Sem campainha, sem som de tecido, sem aquele anzol zunindo na água para avisar os peixes da captura.
Quase me levantei para avisá-la; eu me contive. Ao confirmar o sinal com os dedos, ela deixaria de usar a camisa. Ou guardaria em uma cesta de vime até encontrar uma folga para costurar.
Não queria que fizesse isso. Não agora.
Ela poderia sentir vergonha da mínima gastura na blusa. Gastura da vida.
Talvez fizesse um comício, um protesto, iria correr ao banheiro.
Pediria desculpa a todos, a si, aceitaria que é um desleixo imperdoável. Um descuido fatal de sua beleza.
Mas eu fiquei apaixonado pelo bocejo do fio. Tomado de uma compaixão sensual. Excitado com a ternura. Não há nada mais excitante do que a ternura. A ternura incontrolável do primeiro amor. Do último amor. Beijar os olhos e morder levemente os cílios. Puxar os fios dos olhos.
Era uma fresta de sua nudez. Uma mulher se produz tanto para sair de casa que aquilo significava um descanso, um domingo repentino, que a tornava ainda mais bonita. Mais humana, mais falível, mais acessível. Transportada acidentalmente para seu quarto.
Aquele corte desatento criava intimidade. Retribuía infâncias.
Sua roupa sorria desajeitada para mim.
Gerava confiança de cotovelos e rostos próximos. Tinha vontade de confessar todos os meus pecados e espantar os insetos da insônia e me curar das noites mal dormidas.
Um rasgo na camisa feminina é o botão que falta ao homem.
Ela nos perdoava da aparência.
Obrigada por escrever e me encher a boca com deleite tamanho da doçura de suas palavras
lindo, desnudo e explícito como todo poeta deve ser.....
Fabrício Carpinejar
Matava o tempo antes de pegar a estrada, com um copo de café gemendo em minha boca.
No canto da cafeteria, uma moça escrevia no seu computador. Buscava um pensamento fora e se vidrava novamente na tela, obcecada a encontrar a frase melódica antes de mim.
Quando ela foi se espreguiçar, eu vi. Vi o luzeiro de sua pele por uma fechadura minúscula.
Sua camiseta básica estava rasgada debaixo dos braços. Um pequeno furo. Tolo e miserável corte.
Pela pilha de casacos e blusões na cadeira ao lado, ela nem deveria ter notado. O inverno tem a mania de sonegar a penúria do pano. Somos um excesso de andares de golas de manhãzinha e um térreo na hora do almoço. Na rua, as pessoas carregam seus sobretudos como engradados de cervejas.
Ela não me viu. Mas eu insisti em olhar. Queria que ela se espreguiçasse de novo.
Quem sabe era o primeiro rasgo de seu dia. Um rasgo involuntário. Sem campainha, sem som de tecido, sem aquele anzol zunindo na água para avisar os peixes da captura.
Quase me levantei para avisá-la; eu me contive. Ao confirmar o sinal com os dedos, ela deixaria de usar a camisa. Ou guardaria em uma cesta de vime até encontrar uma folga para costurar.
Não queria que fizesse isso. Não agora.
Ela poderia sentir vergonha da mínima gastura na blusa. Gastura da vida.
Talvez fizesse um comício, um protesto, iria correr ao banheiro.
Pediria desculpa a todos, a si, aceitaria que é um desleixo imperdoável. Um descuido fatal de sua beleza.
Mas eu fiquei apaixonado pelo bocejo do fio. Tomado de uma compaixão sensual. Excitado com a ternura. Não há nada mais excitante do que a ternura. A ternura incontrolável do primeiro amor. Do último amor. Beijar os olhos e morder levemente os cílios. Puxar os fios dos olhos.
Era uma fresta de sua nudez. Uma mulher se produz tanto para sair de casa que aquilo significava um descanso, um domingo repentino, que a tornava ainda mais bonita. Mais humana, mais falível, mais acessível. Transportada acidentalmente para seu quarto.
Aquele corte desatento criava intimidade. Retribuía infâncias.
Sua roupa sorria desajeitada para mim.
Gerava confiança de cotovelos e rostos próximos. Tinha vontade de confessar todos os meus pecados e espantar os insetos da insônia e me curar das noites mal dormidas.
Um rasgo na camisa feminina é o botão que falta ao homem.
Ela nos perdoava da aparência.
Obrigada por escrever e me encher a boca com deleite tamanho da doçura de suas palavras
lindo, desnudo e explícito como todo poeta deve ser.....
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