Luiz Flávio Borges D´Urso
O Brasil vive, há tempos, uma guerra não declarada. Cerca de 50 mil brasileiros morrem, por ano, vítimas da violência, número que ultrapassa os mortos civis nos conflitos contemporâneos, como o do Iraque. Os dados do IBGE são terríveis: em 20 anos, de 1980 a 2000, cerca de 600 mil brasileiros foram assassinados. A taxa de homicídios subiu 130%. Este contingente é maior do que a soma das vítimas das bombas atômicas lançadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, que foi de 340 mil pessoas. Na guerra civil de Angola, que durou 27 anos (de 1975 a 2002), foram 350 mil mortos. Mais ainda: nesse período, dois milhões de pessoas morreram em nosso país por causas violentas – homicídio, suicídio, acidentes e outras causas não naturais, número que corresponde às populações de Brasília, Fortaleza e de países como a Eslovênia e Kuwait. A taxa de mortalidade de jovens do sexo masculino (15 a 24 anos) por armas de fogo cresceu 95%. Só em 2000, a taxa de mortes por armas de fogo no país foi de 71,7 casos por 100 mil habitantes. É 13 vezes maior do que a taxa americana no mesmo período.
As balas perdidas se multiplicam nos espaços da criminalidade, ceifando a vida de inocentes. A insegurança social expande-se sob o olhar do Estado e do fortalecimento do poder invisível, sob domínio das quadrilhas, gangues de criminosos, traficantes de drogas e armas e grupos para-militares. Verdadeira paranóia social se instala, deixando seqüelas e marcas nos mais variados espaços do território. O medo psicológico se desenvolve ao lado do medo físico, a denotar o desarranjo institucional e social, cujas conseqüências se projetam sobre a desconfiança na capacidade do Estado de dar soluções às demandas das comunidades. Essa moldura explica o fato de já sermos o terceiro maior mercado mundial do carro blindado, depois do México e da Colômbia. Qual é a razão para o crescimento da insegurança social? A resposta dos estudiosos é unânime: a enorme disparidade social reinante no país, aliada à impunidade.
Apesar de o Governo Federal ter implantado um forte programa social, amparado na distribuição de 12 milhões de Bolsas-Família, que abrigam cerca de 40 milhões de pessoas, a disparidade entre as classes sociais é gigantesca, bastando lembrar que 1% dos mais ricos acumulam o mesmo volume de rendimentos dos 50% mais pobres, ou ainda, que os 10% mais ricos ganham 18 vezes mais que os 40% mais pobres. Para qualquer esfera que se contemple, distinguem-se bolsões de miséria. Na maior metrópole do país, São Paulo, há 2,5 milhões de pessoas morando em favelas. E se pararmos para observar as condições de vida dos contingentes populacionais – não apenas dos que habitam enclaves miseráveis – veremos que há um Brasil mergulhado na sujeira. São 48% dos municípios que não dispõem de serviços de esgoto sanitário, enquanto 68,5% dos resíduos das grandes cidades são jogados em lixões e alagados. Apenas 451 cidades fazem coleta seletiva de detritos. Ora, os dados mostram também que 68% das internações nos hospitais públicos se devem às carências do povo na área do saneamento básico. A falta de saneamento prejudica a saúde e eleva gastos com o tratamento das vítimas de doenças.
Quando se volta a atenção para o sistema educacional, depara-se com uma estatística aterradora: 38% dos brasileiros podem ser considerados analfabetos funcionais, ou seja, não são capazes de entender o que lêem. Apenas 25% dos brasileiros acima dos 15 anos dominam as habilidades de leitura e escrita. É possível que a radiografia dos números sociais esteja, até, melhorando nos últimos anos. Mas não se pode dizer que o país exibe situação confortável na área social, fato que os governantes de todas as esferas governativas – União, Estados e Municípios – querem fazer crer. No que diz respeito a determinados setores – como o da segurança pública – a questão se agrava.
Sob essa moldura de fatos e estatísticas inquestionáveis, a Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de São Paulo decidiu liderar o Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, que recebeu, simbolicamente, o nome de “Cansei”. Ao estar à frente desse Movimento, a OAB SP quer exprimir a indignação de núcleos, setores e grupamentos que não suportam ver proteladas as medidas e as providências do Estado para garantir a harmonia, a segurança e a paz social., colocando a sociedade articulada, participando do enfrentamento desses problemas e colaborando para superá-los.Queremos ser uma Nação próspera, segura, justa e democrática e essa meta exige que os Poderes Constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário – assumam por inteiro as suas elevadas funções. Não somos contra nenhum governo, nenhuma autoridade, nenhuma instância de Poder. O nosso escopo se volta para a legítima defesa da sociedade. Não é nossa intenção “fulanizar” o Movimento, estabelecendo relação entre pessoas e a situação do país. Move-nos tão somente o dever cívico de desfraldar a bandeira do bem comum, por este ideal maior que se chama Brasil.